Uma Natureza Mudada: Uma Meditação sobre Isaías 11:1-10
Por Suzanne Nicholson
Um conto de fadas moderno descreve um escorpião a pedir a um sapo para lhe dar boleia através de um rio. O sapo, compreensivelmente céptico em relação à sua segurança, fica calado com a ideia. O escorpião lembra ao sapo que se ele picar o sapo, ambos se afogarão; é do interesse do escorpião tratar bem o sapo. O sapo finalmente concorda em levar o escorpião de costas para o outro lado do rio. A meio caminho, porém, o escorpião pica a rã. Em dor e terror, o sapo grita: "Porque é que fez isto? Matou-nos aos dois"! O escorpião, pouco antes de afundar sob as ondas, admite: "Não podia fazer outra coisa; está na minha natureza".
Quando olhamos para o mundo de hoje e vemos as consequências da nossa natureza humana pecaminosa - guerra na Ucrânia, tiroteios em massa nas escolas, crianças em situação de pobreza e fome - pode ser demasiado fácil desesperar que nada irá mudar. Mas o profeta Isaías dá-nos esperança num outro tipo de mundo, um lugar onde o lobo se deitará com o cordeiro e nenhum mal acontecerá.
Em Isaías 11,1-10, o profeta descreve um tempo após o julgamento sobre Israel, quando Deus trará um Messias para restaurar a grande dinastia davídica, mas agora nada mais do que um cepo. Embora os olhos humanos possam ver um quadro sombrio, Deus prepara as raízes para irromper num novo rebento de esperança.
Este novo messias davídico será fortalecido pelo Espírito do Senhor, e Isaías oferece três pares de descrições deste novo governante. Ele terá sabedoria e compreensão; por outras palavras, ele pode discernir a verdade de um assunto e oferecer julgamentos em conformidade. Terá também conselhos e poder; isto é, saberá o que fazer e terá o poder de levar a cabo esses planos. Finalmente, ele terá o espírito do conhecimento e o temor do Senhor. Este tipo de conhecimento vem de estar em relação de aliança com Yahweh; aquele que experimentou a bondade do Senhor naturalmente oferecerá admiração e reverência ao único Deus verdadeiro. Como resultado, este Messias será o governante ideal.
Este novo governante terá também um reinado ideal. Deus sempre se preocupou com os pobres, os órfãos, as viúvas, e os estrangeiros, como qualquer pessoa que leia através do Antigo Testamento rapidamente descobrirá. No entanto, estes mais vulneráveis na sociedade são muitas vezes aqueles que outros ignoram ou dominam. Mas o messias de Deus corrigirá as coisas, julgando com equidade. Tal como Deus não julgou pela aparência exterior quando escolheu o mais novo dos filhos de Jessé para ser rei de Israel (1 Samuel 16,7), também o novo rei davídico não será enganado pela aparência exterior quando repreende o opressor e levanta os pobres. Vestindo a justiça e a fidelidade como marcadores de identidade do seu reinado, este Messias corrigirá todas as coisas.
Os resultados deste reinado ideal pelo governante ideal afectam o mundo inteiro e criam um reino ideal. Isaías usa o contraste entre animais selvagens e domésticos - predador e presa - para mostrar que a paz irá transformar o mundo. É suposto ficarmos chocados e surpreendidos ao ouvirmos que lobos e ursos se deitam com ovelhas e vacas, alimentando-se juntos de plantas. Eles formam um rebanho, uma nova família. Não é apenas a natureza dos lobos que mudou de opressor poderoso para membro pacífico do rebanho, pois também as presas são alteradas. Os cordeiros e os vitelos já não fogem à primeira vista do lobo ou do urso. As nações mais fracas já não tremem com a aproximação de poderosos exércitos estrangeiros. O medo já não é a atitude reinante dos fracos e vulneráveis. Num mundo onde todos são cuidados, ninguém precisa de temer um saqueador esfomeado.
Este reino pacífico só é possível quando o conhecimento do Senhor enche a terra. Nesse dia, todas as nações se reunirão em torno da bandeira do Messias, a raiz de Jessé.
O livro de Isaías não termina aqui a sua proclamação messiânica, mas retoma temas semelhantes em 61:1-2a, onde o orador messiânico declara,
"O espírito do Senhor Deus está sobre mim
porque o Senhor me ungiu;
enviou-me para trazer boas notícias aos oprimidos,
para atar os oprimidos,
para proclamar a liberdade aos cativos
e libertação aos prisioneiros,
para proclamar o ano do favor do Senhor"...
Evidentemente, Jesus enfatiza este tema quando lê do pergaminho de Isaías na sinagoga de Nazaré no sábado, declarando que cumpriu a promessa do profeta (Lucas 4,16-21). O ministério de Jesus corrobora esta proclamação. Ele cura os doentes, expulsa os demónios, e perdoa o pecador. Jesus ignora as distinções sociais da sua época, proclamando as boas novas aos samaritanos (João 4:1-42), curando os gentios (Marcos 7:24-30), ensinando as mulheres (Lucas 10:38-42), e ministrando tanto aos ricos (Lucas 19:1-10) como aos pobres (Lucas 8:43-48). Ele repreendeu os poderosos pela sua falta de justiça (Mateus 23:23) e a sua incapacidade de cuidar dos pobres (Lucas 16:19-31). A própria escolha de discípulos de Jesus demonstrou que o lobo e o cordeiro podiam viver juntos em paz: não se podia ser politicamente mais incorrecto do que pedir a um cobrador de impostos (Mateus) e a um zelote (Simão o Zelote, Lucas 6:15) que trabalhassem juntos. Os cobradores de impostos trabalhavam para os romanos, e os zelotes defendiam a rebelião armada contra Roma e os seus colaboradores. Mas, de alguma forma, o rei messiânico trouxe paz entre os seus diversos seguidores. Quando este rei declarou na Última Ceia que estava a fazer um novo pacto, derramando o seu sangue por muitos para o perdão dos pecados (Mateus 26:28), ele não limitou este pacto aos judeus ou homens ou à elite da sociedade. Pelo contrário, como a igreja mais tarde veio a compreender, todas as pessoas podiam receber este sacrifício de expiação pela fé (Romanos 3,21-31).
Após a sua morte e ressurreição, os seguidores de Jesus - agora fortalecidos pelo mesmo Espírito do Senhor - levam a cabo a obra do Messias no mundo. A própria igreja, atraindo tanto gentios como judeus, demonstra que o lobo e o cordeiro podem deitar-se juntos em paz. Para aqueles que "outrora estavam longe, foram aproximados pelo sangue de Cristo". Pois ele é a nossa paz; na sua carne fez ambos em uma só e derrubou o muro de divisão, ou seja, a hostilidade entre nós, abolindo a lei com os seus mandamentos e ordenanças, para criar em si mesmo uma nova humanidade no lugar dos dois, fazendo assim a paz, e reconciliar ambos com Deus num só corpo através da cruz, matando assim essa hostilidade através dela" (Efésios 2,13-16).
O apóstolo Paulo recorre a Isaías 11 quando reúne temas-chave de Romanos no capítulo 15, exortando à harmonia entre judeus e gentios "para que juntos, a uma só voz, glorifiqueis o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo" (15,6).
A época do Advento chama-nos a olhar em frente para o regresso de Cristo, recordando as promessas e o poder de Deus para estabelecer a justiça, transformar vidas, e trazer a paz onde pensávamos ser impossível. Numa época em que recordamos o milagre do Eterno tomando carne finita, também olhamos em frente para o milagre do lobo deitado com o cordeiro. E mantemos a esperança de que talvez o escorpião e o sapo consigam atravessar o rio juntos, afinal de contas.
Para todos nós, nesta comunidade de crentes, o nosso apelo é fazer do corpo de Cristo um antegosto do que está para vir. Nós que somos republicanos e democratas, nós que participamos nas prateleiras de alimentos da comunidade ou que somos fornecedores de alimentos para ela, nós que somos desistentes do ensino secundário ou doutorados, devemos permanecer juntos, a uma só voz, as nossas vidas transformadas sinalizando ao mundo que a raiz de Jesse está a regressar em breve.
A Rev. Dra. Suzanne Nicholson é Professora do Novo Testamento na Universidade de Asbury em Wilmore, Kentucky, diácono na Igreja Metodista Unida, e editora-chefe assistente para Firebrand revista, uma revista Wesleyan online gratuita. É também membro do Conselho Global da Wesleyan Covenant Association.
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